Um Passinho em direção a libertação do corpo Masculino
Publiquei aqui há pouco um texto sobre os Passinhos, novo fenômeno do Funk Carioca. Na ocasião apresentei de forma bem livre um histórico da Cultura Funk no Rio e algumas das novidades estéticas que o Passinho acrescenta em direção à renovação desta expressão artística. Desde então, venho assistindo com mais freqüência alguns dos milhares de vídeos com passinhos disponíveis no Youtube e em certo momento, como num estalo, foi impossível não pensar em alguns escritos de gente como Numa Ciro e Luiz Eduardo Soares. Os dois autores já se dedicaram a reflexões sobre cultura periférica: Numa pelo viés da psicologia, Soares pensando a segurança pública. Mas, curiosamente, ambos também realizaram abordagens pela chave do gênero. Em suma, do papel que estas culturas têm em relação ao aspecto masculino dos indivíduos com elas envolvidos.
Um dos aspectos que mais chama atenção nos Passinhos é a predominância masculina. São pouquíssimas as meninas que se arriscam nesta categoria de dança. Parto aqui novamente de uma análise baseada na minha experiência pessoal nos bailes dos anos 90 para problematizar mais uma das novidades trazidas pelos atuais dançarinos do Funk. Quando observamos o comportamento masculino mais recorrente nas duas décadas passadas percebemos a postura de um corpo mais rígido, que dança sim, mas que se movimenta limitado por estar amarrado à necessidade de expor-se como homem macho. Até então, a dança recheada de volúpia e a insinuação sensual era um papel exclusivo da mulher (com exceção da saudosa Lacraia).
São os movimentos dos Passinhos, com seus braços, giros e requebrados que estão fazendo afirmações do tipo “homem que é homem não rebola” cair por terra. Os próprios dançarinos dos Passinhos colocam a maior aproximação com as meninas como uma dos principais motivações para dançar. São estes movimentos que os tornam conhecidos, importantes e desejados pelas meninas. É desta forma que o Passinho resignifica a atitude do corpo masculino no contexto da Cultura Funk e, por conseqüência, no cotidiano da vida periférica carioca e brasileira. Libertando e ampliando as possibilidades de expressão corpórea de homens e meninos inseridos em uma cultura machista altamente repressora.
A dança nos Passinhos constrói ainda, de certa forma, uma situação andrógena já que os passos contém uma sensualidade que não se coloca presa a um gênero específico. A maioria dos dançarinos são meninos, mas meninas também podem dançar, e os passos são os mesmos. São movimentos que, bem da verdade e em seu teor sensual, eram até então exclusivos do universo feminino e que vão sendo pouco a pouco deflagrados pelo desejo dos homens de explorarem o próprio corpo de uma maneira nova, diferente e sempre motivada pela criatividade e invenção.
Por fim, creio que seja importante um tipo de reflexão sobre o Funk que o observe além dos clichês da violência, droga, sexualização e machismo. Para perceber a pluralidade de um objeto é preciso também encará-lo dispondo de um leque de questões mais amplas. Só assim é possível vislumbrar a idéia de que o Funk caminha devagarzinho, no ritmo do Passinho, sem muita teoria ou rancores ideológicos em direção a uma nova concepção do corpo masculino.
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