quarta-feira, 22 de maio de 2013
Urbaniza-se? Remove-se?
Ontem lendo alguma coisa de Drummond, lembrei da questão da "gentrificação" das favelas do Rio. Nomezinho difícil esse hein, mas leiam o poema e talvez a associação de significante e significado tenha sentido.
Urbaniza-se? Remove-se?
São 200, são 300 as favelas cariocas?
O tempo gasto em conta-las é tempo de outras surgirem.
800 mil favelados ou já passa de um milhão?
Enquanto se contam, ama-se em barraco e a céu aberto,
novos seres se encomendam ou nascem à revelia.
Os que mudam, os que somem, os que são mortos a tiro
são logo substituidos.
Onde haja terreno vago onde ainda não se ergueu
um caixotão de cimento esguio (mas se vai erguer)
surgem trapos e panelas, surge fumaça de lenha
em jantar improvisado.
Urbaniza-se? Remove-se?
Extingue-se a pau e fogo?
Que fazer com tanta gente brotando do chão, formigas
de formigueiro infinito?
Ensinar-lhes paciência, conformidade, renúncia?
Cadastrá-los e fichá-los para fins eleitorais?
Prometer-lhes a sonhada, mirífica, rósea fortuna
distribuição (oh!) de renda?
Deixar tudo como está para ver como é que fica?
Em seminários, simpósios, comissões, congressos, cúpulas
de alta prosopopéia elaborar a perfeita e divina solucão?
Um som de samba interrompe tão sérias indagações,
e a cada favela extinta ou em um bairro transformada,
com direito a pagamento de COMLURB, ISS, Renda,
outra aparece, larvar, rastejante, insinuante,
de gente que qual gente: amante, esperante, lancinante,
O mandamento da vida explode em riso e ferida.
Carlos Drummond de Andrade “Crônica das Favelas Nacionais”, Jornal do Brasil, 6-10-79
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