O patriotismo sempre me pareceu uma coisa monstruosa, ingênua e perigosa. Reverenciar um território que não é meu nem poderia ser; uma região que não diz nada à minha carne (nem poderia dizer!); uma bandeira que representa apenas os ideais nacionalistas dos donos de terra, industria, banqueiros e ao povo que acredita nos ideais dessas classes, passando a vida inteira lambendo sua deformações; uma língua regida e mantida como hegemônica à força de muita lágrima, muito sangue e sempre o suor do trabalho; um povo sempre covarde, sempre aberto, sempre risonho, sempre tolo, sempre disponível a não ser nada, a não se tornar nada, justificando esse nada com teorias de péssimo gosto e duvidosa reflexão (mas todo povo é assim e não somente o “brasileiro”: sempre bucha de canhão: sempre recheio de lingüiça: sempre esperança de dominação).
É sempre uma ignorância sem medida, uma inconsciência militante, uma aberração da vida. E perigosa! Falar contra aquilo que serve de cimento para a comunidade é sempre um perigo. A estupidez é profundamente perigosa. Não há uma ditadura que não faça sofrer a inteligência; não há um tolo que falte ao encontro e à circunstância de se tornar um torturador, um carrasco, um censor, um assassino em nome da pátria. Falta a tudo menos à defesa das burrices do mundo que o impedem de crescer e abrir os olhos. Há sempre uma reação constituída contra as idéias que “maculam o senso comum”. É por isso que não vale a pena morrer por povo algum, não vale a pena se sacrificar por nenhuma entidade criada somente para justificar a posse de um território e o exercício dos poderes nessa terra.
E essa ignorância passa e contamina o mundo inteiro. Tudo passa pelo mesmo critério. Deixamos de ver tudo aquilo que nos machuca para ver a “terra sem vulcões e terremotos”; o “homem cordial”; a “natureza privilegiada”; a “pátria amada”: vocês se calam na defesa de algo monstruoso e que jamais lhes pertenceu e jamais lhes pertencerá: exatamente essa entidade inexistente e existente somente com muita mentira, muita força bruta, muita cegueira: o brasil! Esse, não será jamais desses que reverenciam a bandeira e choram quando ouvem o nosso-hino e desejam o melhor para “o nosso país” e ficam contentes com o crescimento do PIB como se o PIB fosse deles! como se aquele dinheiro fosse deles! como se aquelas terras todas fossem deles! como se aquele hino e aquela bandeira fossem deles! como se aquela História (sempre uma historiazinha) contada pelos historiadorizinhos de província fosse deles! como se eles mesmos fossem deles e não de uma forma de exploração infame, gigantesca e insolúvel! É uma perversidade imensa e uma perversidade planetária! No fundo tentamos defendê-los da burrice mas eles se voltam contra nós como se tivéssemos esbofeteado suas bochechas sem vergonha.
Por isso e muito mais não sou brasileiro (jamais vendi o pau que vocês chamam de brasil), não sou nordestino, não tenho nada a ver com rondônias, com o norte, com o sul do país ou da nação: tudo isso e nada para mim é a mesma coisa. Minha língua não é o português, não é o russo, não é o espanhol, não é o inglês: não importa em qual língua se escreve ou se fala: ela é apenas uma circunstância: sua existência é ser traduzida e o que se traduz não é uma língua mas o que se aponta antes da língua, o que deseja depois da língua, o que corre como fogo por dentro dela. Esse fogo é a literatura.
Não me comove o país de vocês, não me interessa no sentido mais profundo do termo: é uma circunstância infeliz viver aqui e não ali ou acolá: em qualquer lugar é a mesma coisa, pesam os mesmos cretinos e os mesmos cretinismos. É impossível fugir. E não interessa fugir: é o enfrentamento que nos faz ser o que somos. Quem nada enfrenta e quem em tudo igual a todo mundo acredita jamais poderá compreender aqueles que podem viver sem viver, criar sem domesticar, descrer como maneira de continuar vivendo cultivando o não como a única maneira de sobreviver. Quem não se acostumou a pastar sente muita dificuldade em começar a comer capim, mas quem viveu sempre nesse regime sente muita dificuldade em levantar a cabeça e ver que existe algo além do campo e do verde eterno do chão dos pastos. Todos os que deixaram o mundo dos pais, dos professores, dos amigos, dos chefes, dos políticos, das mães, da mídia, das mulheres, das hienas e dos homens, do bom gosto e senso comum são os libertinos, os artistas que não deceparam seu espírito como se corta grama: quantos picaretas nessa terra de vocês se acham artista! Mas isso é outra história. É outro contra. Por enquanto abram os olhos: há uma nova espécie de nacional-socialismo sendo gritado o tempo inteiro como se fosse a coisa mais linda do mundo.
Alberto Lins Caldas
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