sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Weiwei, profissão artista-ativista



Por que a obra e a militância do maior artista chinês da atualidade são tão importantes para entendermos nossa relação com a arte (e a política) nos dias de hoje?






A prisão do artista chinês Ai Weiwei em abril causou uma comoção global que há tempos não se via em torno de um artista. Weiwei foi detido pela polícia chinesa quando embarcava de Pequim para Hong Kong e ficou sob a custódia de soldados por 81 dias. Nesse período, ninguém soube de seu paradeiro, até ser libertado em junho. A captura de Weiwei gerou protestos e manifestações pelo mundo. Museus renomados como o Guggenheim de Nova York e a Tate Modern de Londres emitiram comunicados pedindo sua libertação. Nas ruas de grandes cidades como Berlim, Dresden, Copenhague, Barcelona, pichações perguntavam "Where is Weiwei?" (Onde está Weiwei?). Sites, blogs e um perfil no Facebook foram criados para dar informações sobre seu confinamento. Organizações que lutam pelos direitos humanos fizeram petições em prol do artista.

Tal repercussão mostra sua relevância para a atual cena artística e traz luz justamente para esse caráter político da arte, que permite abrir uma fenda nova nas nossas perspectivas e padrões, e que nos afeta de forma a podermos nos mover e nos transformar. A arte, afinal, pode ser produtora de uma visão de mundo que, em potência, transforma a realidade - inclusive de um país. No caso de Weiwei essa relação entre arte e política está muito mais intrínseca. "Não dá para separar no trabalho dele o que é arte e o que é ativismo", afirma Moacir dos Anjos, que foi curador da 29ª Bienal de São Paulo, realizada no ano passado, e que reproduziu a obra Círculo de Animais do artista chinês. "As obras de Weiwei são baseadas em ações de choque que visam criticar o regime opressor chinês, portanto seu trabalho tem uma enorme conotação política", diz. Do lado mais ativista, ele é um fervoroso crítico do governo comunista chinês, condenando abertamente a falta de liberdade de expressão e de direitos humanos em seu país. Depois de ter sido solto, Weiwei prometeu ao governo se calar em troca da liberdade.

BUSCA DA TRADIÇÃO
A relação com as artes começou dentro de casa. Filho de um dos mais renomados poetas modernos da China, Weiwei nasceu em Pequim, em 1957, e se tornou artista, arquiteto, fotógrafo e curador. Suas obras denotam um artista eclético ao reunirem instalações, pinturas, filmes, fotografias e até performances - como a que organizou para a edição de 2007 da Documenta, em Kassel, em que levou 1.001 chineses que nunca haviam viajado para o exterior para morar na cidade alemã durante a mostra. Mas esteticamente ele investiu, com maior notoriedade, no campo das esculturas, construindo estruturas de forte valor simbólico. "Suas obras têm uma grande riqueza, robustez artística e formal, além de um aspecto estético muito apurado", analisa Dos Santos. Um dos exemplos é uma de suas obras que usou mochilas estudantis para representar crianças mortas em um terremoto na província de Sichuan em 2008, enfileiradas em uma estrutura suspensa e curvilínea denominada Snake (segundo Weiwei, as crianças só morreram no tremor porque as escolas foram construídas pelo governo com materiais pouco resistentes e de baixo custo; ele chegou a elaborar um dossiê provando as irregularidades nas construções, apresentadas junto com a obra). Esse tipo de trabalho crítico é o que fez o diretor da Tate Modern, Vicente Todolí, considerar as obras do chinês como "os mais socialmente engajados trabalhos artísticos feitos hoje no mundo".

Uma das principais características de Weiwei é o uso de elementos tradicionais da cultura chinesa como forma de dar visibilidade às tradições de seu país. Não raro suas obras reproduzem materiais que apropriam e ressignificam objetos do patrimônio político e sociocultural da China, como cerâmicas e vasos seculares, madeiras antes usadas em templos budistas de mil anos que foram demolidos pelo Partido Comunista ou reproduções de cadeiras utilizadas durante a dinastia Qing.

AFRONTA AO SISTEMA
Um dos episódios mais polêmicos da relação de Weiwei com o governo chinês, talvez, foi a construção do Estádio Olímpico Nacional da China (também conhecido como Ninho de Pássaro - abaixo) em 2008, para abrigar a Olimpíada em Pequim. Trabalhando como consultor artístico do escritório de arquitetura Herzog & De Meuron, que executou o projeto, ele foi um dos criadores desse símbolo dos jogos no país. Mas, em uma entrevista, ele disse considerar o fato de o país abrigar o evento como um "falso sorriso" em meio aos problemas chineses. O governo achou uma afronta. Em seu perfil no Twitter (@aiww), ele continuou a postar críticas ao regime comunista para seus mais de 40 mil seguidores, o que fez dele um dos maiores usuá¬rios dessa rede social na China - e provavelmente o maior detrator aberto do governo.

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Seu blog, mantido por mais de quatro anos, em que ele escrevia artigos e postava suas ideias artísticas e políticas, foi bloqueado pela censura em 2009. Tempos depois, descobriu que sua conta de e-mails no Gmail havia sido hackeada e as configurações foram alteradas para enviar todas as mensagens com cópia para um endereço nada familiar. Sua conta bancária foi vasculhada e o poste em frente a sua casa-estúdio ganhou um par de câmeras de segurança. Recentemente, e apesar da sua promessa de silêncio após a prisão, Weiwei publicou um artigo na revista americana Newsweek em que acusava o regime chinês de negar aos cidadãos "seus direitos básicos". "Sem confiança [no país], não se pode identificar nada: é como uma tempestade de areia. Tudo muda constantemente segundo a vontade de outro, de quem está no poder", criticou o artista. O artigo foi reproduzido internacionalmente por centenas de revistas e sites. A verdade é que essa ambiguidade entre ativista e artista fez com que Weiwei passasse a ocupar o topo de uma nova categoria de personalidade artística da qual, aliás, foi um dos precursores - e que possui outros nomes que estão ganhando mais repercussão, como o fotógrafo francês J.R. ou o grafiteiro inglês Banksy. "Muitos dizem que Ai está fazendo uma forma de arte performática", disse em uma entrevista à New Yorker o pintor chinês Chen Danqing, contemporâneo de Weiwei inclusive nas críticas sociais. "Mas eu acredito que ele já ultrapassou essa definição. Ele desenvolve algo mais interessante, mais ambíguo. Acho que ele quer, no fundo, ver quão longe a força de um indivíduo pode chegar."

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